O municpio de So
Francisco de Paula est localizado no planalto do nordeste gacho, na
microrregio dos Campos de Cima da Serra, incorporado regio das
Hortnsias. Sua rea atual de 3.274 quilmetros quadrados, sendo um
dos maiores municpios do estado do Rio Grande do Sul. A altitude de
quase mil metros favorece nevascas no inverno. A cidade recebeu o
apelido carinhoso de “So Chico” dado por seus visitantes que so
presenteados h milhares de anos com uma privilegiada natureza cercada
de rios, campos verdejantes e ondulados com lindas coxilhas,
pinheiros-araucrias e vales exuberantes como, por exemplo, os da Ronda,
Roa Nova, Boa Esperana, Caconde, Pessegueiro, Boa Vista (onde h a
Toca das Andorinhas, um pequeno cnion com cachoeira), Lagoas, Samambaia
e Jos Velho; alm de contar com cnions espetaculares como o do Josaf,
e serras escarpadas como a do Umbu e do Pinto (Rota do Sol). Seus
distritos, alm da Sede, so: Tainhas, Cazuza Ferreira, Rinco dos
Kroeff, Ju, Eletra (Salto) e Lajeado Grande, outras atraes que alm
de possurem belezas naturais remetem ao sculo XIX com suas
arquiteturas e costumes. Nos Campos de Cima da Serra h centenrias
taipas, que so muros de pedras mouras de aproximadamente um metro de
altura, de mdio tamanho, colocadas uma em cima da outra, soltas, mas
firmes na finalizao, algumas atingindo quilmetros, feitas pelos
fazendeiros para dividirem os seus campos ou para invernarem seu gado, e
neste caso so maiores na altura.
Os ndios primitivos de dois mil anos atrs:
Os primeiros seres humanos que aqui chegaram foram os ndios de Tradio
Taquara, denominados assim pelos arquelogos por causa do primeiro local
aonde foram encontrados os seus vestgios, tambm achados do sul
paulista ao nordeste gacho. Apareceram aqui h cerca de dois mil anos,
tendo sido encontrados traos de sua agem a dois quilmetros do
centro da cidade, em 1966. Estes ndios aproveitaram como moradias as
tocas e tneis feitos por tatus gigantes que viveram aqui entre 10
milhes e 10 mil anos atrs, quando foram exterminados pelos silvcolas
que chegaram ao Rio Grande do Sul, provveis descendentes dos que
atravessaram o Estreito de Bering. Os ndios de Tradio Taquara foram
um dos poucos grupos que resistiram ao assdio dos guaranis graas ao
local que habitavam, pois encontravam-se protegidos pelo meio ambiente,
com lugares de difcil o, rios pequenos e no navegveis, mata
fechada, terrenos acidentados, altitude acima de 600 metros, muito frio
e muita neblina que deixava os inimigos indefesos. Com o tempo, mudaram
as suas habitaes, fazendo um tipo de casas-poo quase no alto duma
coxilha. Eram timos engenheiros e suas moradas eram feitas num enorme
buraco; ainda escavavam galerias e faziam telhado de materiais leves,
troncos, barro e folhas, como tambm usavam lajes de basalto.
ndios caaguas e os jesutas espanhis no sculo XVII. As investidas dos
bandeirantes
Uns dos provveis descendentes dos ndios de Tradio Taquara foram os
ndios caaguas ou caaguaras, que significa “habitante das matas” ou
“gente do mato”. Tais foram expulsos de outras terras gachas por ndios
como os tapes, minuanos e guaranis, retornando ao local de origem dos
seus anteados para proteo pessoal. Os jesutas espanhis foram os
primeiros a descrever, num mapa, esta regio, e deram o nome de Caagua,
em vista que aqui habitavam estes ndios. Em 1633, um pequeno grupo de
caaguas foi pedir ajuda aos padres missioneiros. O padre jesuta Romero
os recebeu e descreveu que eram ndios nmades, estavam todos nus, eram
pacficos, no conheciam feijo, nem galinhas ou cachorros que eram
criados pelos guaranis civilizados pelos jesutas e colocados em
redues. Caaguas designao mais usada atualmente para estes ndios.
Tentaram se comunicar na lngua guarani, porm muito mal, mas o padre
Romero entendeu que precisavam de ajuda, pois os bandeirantes paulistas
estavam prestes a invadir a sua regio com a ajuda de outros ndios, os
ibianguaras ou ibirajaras, que viviam na regio prxima de onde hoje
fica Caxias do Sul.
Em maro de 1635, novamente os caaguas foram pedir ajuda aos jesutas,
pois estavam prestes a ser atacados pelos bandeirantes. Quem os recebeu
desta vez foi o padre Montoya, sendo decidido que retornaria com eles o
padre Cristvo de Mendona juntamente com alguns ndios guaranis
recm-cristianizados. Em 8 de abril, saiu o pequeno grupo da regio das
Misses em direo regio Caagua para tratar da vinda dos ndios que
ali habitavam e traz-los para viverem na reduo Jesus Maria, prxima
da atual cidade de Candelria. Chegando Caagua, o padre Cristvo,
tambm conhecido como “pai querido”, foi muito bem recebido e adorado
pelos ndios, e, como viera a cavalo, este animal impressionou a todos,
pois nunca haviam visto algo igual. Aps alguns dias, chegara a hora da
partida e os caaguas no queriam deixar o padre seguir viagem, mas este,
mesmo assim, deu incio ao seu retorno. Antes, porm, foi resolvido que
todos os caaguas iriam viver na reduo Jesus Maria e em poucos meses
comearia esta grande jornada, pois, no momento, no havia comida
suficiente para todos, no sendo ainda a hora ideal de partir. O padre
Cristvo rumou com os ndios missioneiros, em torno de trs, mas no dia
25 ou 26 de abril (h controvrsias a respeito do dia exato), ele e seus
parceiros de viagem foram massacrados na localidade de gua Azul, no
atual distrito de Santa Lcia do Pia, pertencente atualmente a Caxias
do Sul, sendo que este local, h poucas dcadas atrs, pertencia a "So
Chico". O padre Cristvo de Mendona foi o primeiro mrtir da regio e
de se estranhar ainda no ter sido pedida sua beatificao.
A maioria dessas informaes sobre os caaguas est no livro do excelente
historiador e escritor Aurlio Porto: “Jesutas no Sul do Brasil –
Volume III – Histria das Misses Orientais do Uruguai – Primeira
Parte”, uma edio da Livraria Selbach de Porto Alegre, do ano de 1942.
Conforme Porto, os ndios tupis chamavam os caaguaras de Iraiti-Inhacame,
que significa cera na cabea, pois sobre as largas coroas que usavam
punham cera, e, por isto, tambm eram conhecidos como cerados, e no
coroados como erroneamente outros pesquisadores informaram. Na lngua
tupi-guarani ira significa “mel”, iraiti “cera de abelha” e inhaca
“cheiro ruim e invel”, “iaka” cabea.
H historiadores que dizem que entre junho e agosto de 1635, entrava, no
Rio Grande do Sul, a primeira bandeira paulista, a “Bandeira de Aracambi”
chefiada por Ferno de Camargo, o Tigre, com o intuito de escravizar os
ndios patos, sendo que talvez possa ter vindo um pequeno grupo regio
Caagua. Fica como fato histrico que a bandeira chefiada pelo famoso
Antonio Raposo Tavares foi a primeira e que ou por Caagua em
novembro de 1636, guerreando contra os pacficos caaguas, matando muitos
deles e tornando a maioria escravos, ficando poucos vivos, e, no ms
seguinte, atacando as redues jesutas das Misses, abrindo caminho
para os colonizadores desta terra.
Com a fuga dos poucos caaguas ou caaguaras que sobreviveram ao ataque
dos bandeirantes tornando-se selvagens e fugindo para as matas do norte
do Rio Grande do Sul muito se perdeu, principalmente parte da sua
lngua, pois at um novo nome dado por outros historiadores, o
caaiagua, falado pela nao do mesmo nome estabelecida a oriente do rio
Uruguai at seu nascimento a oeste, sendo um idioma particular de
difcil pronunciao. Os caaiaguas ou caaguas-silvestres usam lngua
prpria, difcil de entender, pois quando pronunciam suas palavras no
parecem falar, mas sim assoviar ou formar acentos confusos na garganta.
Os caaiaguas colhidos ou presos no costumam falar quando esto fora de
sua nao e poucos so os missionrios que puderam escrever palavras
nesse idioma. Estes no eram mais os caaguas “originais” que viveram em
So Francisco de Paula, mas seus descendentes sofridos e selvagens que
habitaram o norte gacho. Os caaguas de nosso municpio falavam algo
parecido com o tupi-guarani, uma mistura com a sua antiga lngua. Dos
nossos caaguas s restaram as lembranas de serem pacficos e amigos dos
padres jesutas espanhis das redues das Misses tambm dizimadas.
Fundador da cidade: capito Pedro da Silva Chaves
O primeiro proprietrio com papel ado das terras onde hoje se
encontra a cidade de So Francisco de Paula foi o capito Francisco
Pinto Bandeira que deu o nome da Fazenda da Cria a uma sesmaria de campo
(13.068 hectares) de sua posse desde, pelo menos, 1742. O capito
Bandeira era av do famoso general Rafael Pinto Bandeira. J havia nesta
regio, na poca, o capito Pedro da Silva Chaves, portugus de Lisboa,
casado, em 1726, com Gertrudes de Godoy Leme, de ilustre famlia de Itu,
So Paulo. O capito Chaves era dono de mais de cem mil hectares e foi
nomeado Capito de Ordenanas pelo Conde de Bobadela, em 1752. Com esse
fato, deveria ser criada no povoado de Cima da Serra do Viamo uma
Companhia de Ordenanas formada por setenta homens. O capito Chaves
teria todas as honras, privilgios, liberdades e isenes, sendo
obrigado a residir no distrito seno seria revogada a carta-patente,
sendo que aqui ficou e considerado o fundador de So Francisco de
Paula, sendo seu primeiro governante.
Em 1777, o capito Chaves ditou seu testamento na Fazenda So Joo de
sua propriedade e prxima do distrito de Tainhas. Neste documento consta
ser devoto dum santo, So Francisco de Paula, a quem fez promessa de
fazer uma igreja que est sendo construda na entrada da Serra; que fez
doao de meia-lgua de terras e cinquenta vacas para patrimnio inicial
da referida igreja e que seu corpo seja sepultado nela. A data da morte
do capito Chaves ainda gera controvrsias, havendo, em registros
genealgicos, o dia 12 de setembro de 1786, mas numa declarao de
terras de 1785, seu filho, capito Joaquim, diz que seu pai j era
falecido naquela ocasio.
O padre Jos da Silva Leal Leme, filho do capito Chaves, foi nomeado,
em portaria episcopal de 22 de maro de 1761, para a Freguesia de So
Francisco de Paula de Cima da Serra. Este nome ficou oficializado at
1939, quando foi retirado o “de Cima da Serra", sendo que os naturais
desta localidade so conhecidos como serranos devido serem de Cima da
Serra, o outro gentlico franciscano.
A abertura do “Caminho dos Tropeiros” no sculo XVIII. O Tropeirismo
No incio do sculo XVIII, comearam a serem abertas as estradas que
consistiriam os primeiros caminhos dos tropeiros, na verdade muitas
picadas usadas antes pelos ndios, jesutas e bandeirantes. Entre estes
caminhos um foi melhorado pelo coronel Cristvo Pereira de Abreu que,
seguindo o caminho j feito por Souza Faria, chegou, em 1 de fevereiro
de 1732, em Cima da Serra do Viamo, inicialmente Caagua, atual So
Francisco de Paula, mas antes buscou outros tropeiros que com trs mil
mulas e cavalos subiram a serra. O coronel Abreu abrira uma nova rota
vinda de Viamo, o Caminho dos Tropeiros, ando pelo Rio Rolante, via
estrada da Serra Velha, chegando em Cima da Serra, seguindo depois em
direo a Bom Jesus pela atual RS-110, mais conhecida como Estrada Real
no sculo XVII, sendo, desde o incio do sculo XX, chamada pelos
serranos, ainda hoje, de “estrada do meio”, surgindo na “Vacaria dos
Pinhais” em fevereiro de 1733. Ficou naquelas bandas por algum tempo e
depois seguiu o rumo de Curitiba, chegando l em 10 de junho de 1734.
Este o marco do tropeirismo no sul do pas.
Cerca de vinte anos antes, os lagunistas estiveram aqui explorando o
territrio gacho em busca de riquezas nas regies de Viamo, do
Paranhana, do Vale dos Sinos e em Cima da Serra. Encontraram poucos
ndios, pois a maioria deveria estar na regio de Caxias do Sul, e
quando depararam com alguns foram com os minuanos que eram amistosos.
Ouro e prata no havia neste territrio, mas as mulas seriam de grande
valor, pois abasteceriam as minas de vrias regies do Brasil. Alguns
destes lagunistas acabaram ficando, sendo os primeiros brancos a morarem
nesta regio, mas no de se duvidar que j existissem por aqui alguns
changueadores, como eram chamados os primitivos coureadores do sul do
continente: ndios ou mestios sem rumo, timos cavaleiros que faziam
muito bem a lida do campo, conhecidos depois como gaudrios e
posteriormente gachos, descendentes das tribos indgenas do lado
oriental do Rio da Prata, misturando o seu sangue com soldados espanhis
e portugueses que “pelearam” (guerrearam) muito naquelas bandas.
Os ndios caingangues e xoclengues nos sculos XVIII e XIX
No final do sculo XVIII e incio do XIX, surgiram ndios ferozes,
inimigos entre si, e ambas as tribos eram hostis aos colonizadores. De
um lado, os coroados (hoje kaingangs, aportuguesado para caingangues)
que viviam onde atualmente se encontram os municpios da regio mais ao
norte e nordeste gachos, como Caxias do Sul e So Marcos que outrora
pertenceu a este municpio como distrito; e no outro lado, mais prximo
dos Aparados da Serra, os botocudos (hoje xoklengs, aportuguesado para
xoclengues), na regio do municpio de Cambar do Sul, tambm antigo
distrito de So Francisco de Paula. Os coroados eram em grande nmero,
enquanto que os botocudos eram poucos, mas metiam muito medo nos
indgenas rivais, alm de serem nmades, pois no ficavam muito tempo no
mesmo local, enquanto que seus opositores tinham tribos. O principal
motivo de suas batalhas eram os pinhes, a semente do pinheiro araucria
e alimento predileto e essencial para todos. bem provvel que os
botocudos fossem os descendentes dos poucos caaguas sobreviventes que
fugiram dos bandeirantes h cerca de 150 anos atrs, por isso o nmero
reduzido desses ndios, enquanto que os coroados seriam descendentes de
ndios provenientes de outras regies do Brasil como a sudeste e mais ao
sul vindos do Paran.
Os coroados tinham terror dos botocudos e de outra nao indgena
semelhante que se distinguia porque usava nas orelhas furadas um pedao
de pau, enquanto que os botocudos sempre tinham no lbio inferior um
ornamento de madeira em posio vertical, os batoques, diverso de outros
botocudos que utilizavam este adorno em forma circular alongando o
beio. Os coroados traziam um dio hereditrio destas tribos desde os
tempos mais remotos, inclusive por serem atacados por elas na poca da
colheita dos pinhes, maior riqueza alimentar destas paragens. Ambas as
tribos sequestravam as mulheres uns dos outros, que j eram poucas e de
grande serventia, pois faziam as coletas de frutos, razes e mel.
Os botocudos faziam instrumentos cortantes de pedra, distinto dos
coroados. Eram muito inteligentes e industriosos. Fabricavam ainda
cunhas e machados de pedras de silcio muitas vezes encontrados pelos
arquelogos juntos aos potes de barro. As pedras usadas para fazerem um
machado eram bem duras, com preferncia pela do jaspe. Nesta pedra
faziam um buraco por onde ava o cabo de madeira bem amarrado com
tiras de fibras de taquara ou outras plantas, e no se sabe at hoje
como faziam o buraco nessa pedra to dura.
Com essas informaes e os vestgios encontrados na regio da sede de
So Francisco de Paula, como as cermicas em 1966, e pontas de flechas
achadas nas proximidades, podemos supor que no foram os coroados
habitantes desta parte do municpio, e sim os anteados dos
botocudos, os caaguas, pois quando aqui chegaram os primeiros tropeiros,
no sculo XVIII, j no havia mais ndios, somente nas regies mais
afastadas da sede: os coroados na regio noroeste do municpio, em
Caxias do Sul, So Marcos e Vacaria; e os botocudos nas regies norte e
nordeste, nos Aparados da Serra e a leste na Serra Geral.
Os botocudos davam seu grito de alerta de intrusos, mas a palavra que os
brancos entendiam era "puxi", que significa “o mal, ou coisa m", e que
servia para os homens civilizados. Como o grito era tambm prolongado,
assim como o "pucri" dos coroados que veremos mais adiante, para os
colonizadores o "puxi-i-i-i" dos botocudos dava a entender que gritavam
"bugio", que como sabemos o macaco das nossas matas, alm de ser, nos
dias de hoje, um gnero de msica gacha autntica da nossa regio,
exaltada no festival musical "Ronco do Bugio" realizado em So Francisco
de Paula.
A palavra "bugre" surgiu com os coroados, pois quando avistaram os
primeiros homens brancos ou surgia qualquer pessoa ou coisas estranhas
ao seu acampamento, emitiam um alarme atravs dum grito agudo e forte,
prolongando a ltima slaba at lhes faltar a respirao, como se fosse
"pu-cri-i-i-i”. Na pronncia desta palavra -"pucri" - os portugueses
entendiam "bugri" ou "bugre".
Os coroados arrumavam os seus cabelos, que eram finos, pretos, lisos,
brilhosos e muito abundantes, em formato de coroa, arrancando-os na
parte central de cima da cabea com as prprias mos, ficando somente a
tonsura, cortando horizontalmente, com talas de taquara (so bem
cortantes quando maduras), a parte inferior altura de meia-testa,
permanecendo uma coroa de cabelos ao redor da cabea com uma largura
perpendicular de dez centmetros muito semelhante ao corte dos padres
franciscanos. Tiravam todos os pelos do corpo, inclusive as pestanas, o
que permitia melhorar a viso para longe e enxergar objetos pequenos
muito alm de onde brancos no conseguiriam distingui-los. As mulheres
tambm retiravam todos os seus pelos e cabelos, menos num local da parte
alta da cabea, deixando cerca de 30 cm de comprimento, e ento faziam
uma trana em trs partes bem finas. Alguns diziam que ficando assim,
sem nenhum pelo, os brancos ou outros indgenas os achavam muito jovens
e se aproximavam, momento em que partiam para o ataque. Andavam sempre
nus, apesar do rigoroso inverno. Tinham uma memria excelente e apesar
de no possurem uma escrita avam, atravs da tradio oral, causos
que tinham acontecido com seus anteados.
O fogo para os coroados era um atrativo em qualquer poca do ano,
preferindo ar o dia inteiro em volta da fogueira, irando-a, e no
fazendo mais nada. Somente saam quando houvesse alguma “correria” para
guerrearem contra os seus inimigos ou saquearem os colonizadores
brancos. Quando faziam estas “correrias” caminhavam um no o do
outro, como se apenas uma pessoa tivesse ado naquele local, e sempre
com os ps virados para a frente. Na volta, se no tinham o que fazer
alm de confeccionarem mais flechas, seu maior bem, retornavam para
ficar em volta da fascinante fogueira, mas no davam sinal de satisfao
por se esquentarem, pois no sentiam o frio extremo e nem muito calor,
ando facilmente as mudanas atmosfricas; quando iam dormir
apagavam a fogueira para no atrair, pela luz, algum possvel invasor, e
quando acordavam acendiam novamente o fogo. Tinham uma insensibilidade
incrvel e rara para o frio.
Os coroados delimitavam seus territrios atravs duma marca prpria nos
pinheiros (tambm pintada em flechas e no corpo; os botocudos do mesmo
modo assinalavam os seus pinheiros e suas flechas) que pertenciam quela
tribo dona da marca e, s vezes, lutavam pelas suas mulheres, pois a
proporo naquela poca era de sete homens para trs mulheres. No
disputavam por amor, mas porque as mulheres eram essencialmente teis,
na realidade suas escravas submissas. Muitos j ouviram falar ou j
disseram: “Minha bisav foi pega a cachorro no mato”, havendo muitos
serranos que possuem no seu sangue uma origem indgena bem recente. A
maior riqueza desses ndios era o pinho, o alimento predileto e sua
base alimentar. O pinho era um grande motivo de ocorrer muitas batalhas
entre outras tribos de coroados e demais indgenas com a mesma
predileo. Nas pocas de colheita dos pinhes, as mulheres enterravam
muitas pinhas num cho arenoso e mido, mantendo-os comestveis por todo
o ano e ingerindo-os nos perodos em que ainda no havia nos pinheirais.
Designaes oficiais e extraoficiais
Nos tempos dos padres jesutas da Companhia de Jesus, nos anos 1600, j
chamavam o local e uma grande regio adjacente da atual cidade de So
Francisco de Paula de Caagua; depois, na poca dos tropeiros, nos anos
1700, de Povoado de Cima da Serra do Viamo; em 1809, na situao de
distrito pertencente a Santo Antnio da Patrulha, como Povoado de Cima
da Serra no tempo da Capitania de So Pedro do Rio Grande do Sul
(1807/1821). No tempo da Guerra dos Farrapos j possua a designao de
Capela de Cima da Serra, sendo que a capela foi benta em 21 de dezembro
de 1761, e a inaugurao da primeira igreja em 1793. Em 30 de novembro
de 1852, foi elevado categoria de Freguesia de Cima da Serra, a 53 da
Provncia de So Pedro do Rio Grande, pertencendo ainda como distrito do
municpio de Santo Antnio da Patrulha. Em 21 de maio de 1878, elevado
categoria de Vila de So Francisco de Paula de Cima da Serra.
Em 5 de agosto de 1878, criado, pela primeira vez, o municpio de So
Francisco de Paula de Cima da Serra, desencilhando-se do antigo
municpio de Santo Antonio da Patrulha. Em 15 de maro de 1889, foi
extinto o municpio de Cima da Serra, tornando-se distrito do municpio
de Taquara, mas, em 6 de novembro do mesmo ano revogada a Lei, e pela
segunda vez, retorna a municpio e “manda no prprio nariz”. Devido a
questes polticas, novamente extinto o municpio em 1 de setembro de
1892, retornando a ser distrito de Taquara. Somente por decreto de 23 de
dezembro de 1902, pela terceira e ltima vez feita a reestruturao
poltica, sendo a sua instalao perpetrada em 7 de janeiro de 1903. So
Francisco de Paula de Cima da Serra oficialmente deixou de ser vila em
maro de 1938, elevando-se categoria de cidade e sendo retirada parte
do seu nome, o “Cima da Serra”, o qual originou a denominao, para os
seus filhos naturais, de serranos, e assim tomamos o nome de So
Francisco de Paula desde 1 de janeiro de 1939.
O incio da colonizao da regio de So Francisco de Paula
Os colonizadores brancos desta terra vieram em massa no sculo dezoito,
na poca do capito Chaves, sendo alguns poucos portugueses do
continente, alm de paulistas, mineiros e lagunenses, vindo, com eles,
seus escravos africanos e descendentes nascidos no Brasil. Com a chegada
ao sul do Brasil, em 1748, dos portugueses do Arquiplago dos Aores, os
aorianos, a miscigenao no Povoado de Cima da Serra tornou-lhe um povo
hospitaleiro e de bom trato com escravos que tratavam da lida do campo,
diferente da regio da outra So Francisco de Paula de Pelotas, onde
haviam as charqueadas que assolavam os escravizados. Em 1878, quando
elevado a municpio pela primeira vez, vieram novos colonizadores,
muitos de origem alem e italiana, alm de alguns srio-libaneses,
ingleses, ses e espanhis.
O Texto acima foi
enviado pelo amigo e historiador Jos Carlos da Fonseca.
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